quinta-feira, janeiro 06, 2005

O Bolo Rei

Caríssimos...
Vejos-vos por aí a distribuir fatias de Bolo Rei, a conversar sobre o mesmo, e até mesmo a tratá-lo com algum desprezo...
Mas o que é um Bolo Rei? De onde vem? Quem o inventou? Qual a sua relação com o Natal e com o dia dos Reis (esta última pode ser óbvia, concordo...)?
Bom...
Antes de mais apresento-vos uma receita típica de Bolo Rei, nada semelhante àquela que usualmente ocupa o centro da minha mesa de Natal, aliás até porque, essa tão afamada versão, originária da Estrada de Benfica, nº 463, aparece com a inclusão no Staff do Califa de um determinado sujeito, já referenciado como Califa Baltazar... mas adiante.

Aqui segue a receita para quem se ajeite nestas coisas de pastelaria...

Ingredientes:

1,250 Kg de farinha de trigo
50 g de fermento de padeiro ou 25 g de fermento organico
3 dl de leite
250 g açúcar
12 ovos
300 g de manteiga
1 g de sal
150 g de passas
100 g de cidrão doce
100 g de ameixas
100 g de amêndoas
150 g de nozes
150 g de pinhões
frutas cristalizadas

Confecção:

Amassam-se duzentos e cinquenta gramas de farinha de trigo da melhor com cinquenta gramas de fermento de padeiro ou com vinte e cinco gramas de fermento orgânico em pasta, desfeito qualquer deles em um decilitro de leite morno, tapa-se bem e deixa-se a massa a levedar em sítio quente, por cinco a seis horas. À parte deita-se num alguidar um kilo de farinha, amassando-o com duzentos e cinquenta gramas de açúcar em pó, seis ovos inteiros, seis gemas, trezentas gramas de manteiga derretida, um grama de sal fino e dois decilitros de leite, devendo ficar uma massa consistente; podendo-se deitar mais leite se for necessário por a farinha ser muito seca. Misturam-se os duzentos e ciquenta grama de farinha que se amassaram com o fermento, amassando tudo bem, e, em estando a mistura bem homogénia, juntam-se cento e cinquenta gramas de passas, cem gramas de cidrão doce cortado miúdo, cem gramas de ameixas de Elvas cortadas aos quartos e sem caroço, cem gramas de amêndoas despeladas, cento e cinquenta gramas de nozes cortadas em quatro bocados e cinquenta gramas de pinhões; amassa-se novamente para encorporar bem na massa todos os elementos que se juntam, cobrindo-se com um pano deixando levedar até aumentar o volume de metade, o que precisará de pelo menos de seis a dez horas, conforme a temperatura do ar e o estado atmosférico, sendo preferível preparar a massa à noite para cozer no dia seguinte. Estando a massa bem levedada,fazem-se bolos em coroa, pondo-se no vazio do centro uma tigela ou um copo para não fechar; por cima da massa põem-se algumas ameixas de Elvas cortadas ao meio e pêras ou outras frutas secas cristalizadas e algumas amêndoas, deixando repousar por duas horas, polvilhando com açúcar pilé e pondo-os a cozer no forno com calor forte. Antes de pôr no forno, pode-se pintar a massa por cima com gema de ovo. Feita a massa fazem-se os bolos e pôem-se em tabuleiro indo ao forno de calor brando.

Parece-me bem!
Seguindo para a segunda questão, a sua origem...
Diga-se desde já que, apesar da popularidade de que goza entre nós, o bolo-rei tem origem francesa e para explicar tanto a fava como o brinde, teremos de recuar bastante no tempo, mas já lá vamos à história, que até tem pormenores bem interessantes.

Tanto quanto se sabe, a primeira casa onde se vendeu em Lisboa o bolo-rei foi a Confeitaria Nacional, certamente depois de 1869, como a seguir se verá. A confeitaria foi fundada em 1829 por Baltasar Rodrigues Castanheiro e, quando abriu, tinha apenas duas portas para a rua da Betesga, que liga o Rossio à Praça da Figueira. Alguns anos depois, foram feitas obras de ampliação e a casa ficou com quatro portas para a referida Rua da Betesga e outras quatro para a rua dos Correeiros. Baltasar Rodrigues Castanheiro esteve à testa da casa durante quarenta anos. Quando morreu, em 1869, sucedeu-lhe seu filho, Baltasar Rodrigues Castanheiro Júnior (nome original, não?), que logo nesse ano fez importantes melhoramentos, designadamente um elegante salão de chá no primeiro andar. Deve-se-lhe também a introdução do bolo-rei, feito segundo uma receita que trouxe de paris. Em Lisboa de Lés a Lés (vol. II, pág.140), Luís Pastor de Macedo recorda que no Dia de Reis, a Nacional fazia um "negócio de mão-cheia", o que se explica em poucas palavras: «É que ela fora a primeira onde o afamado bolo-rei se vendeu em Lisboa, bolo sempre ali feito por uma receita que Baltasar Castanheiro Júnior trouxera de Paris.» O bolo era feito por um mestre confeiteiro, o Gregório (entretanto passou a fazer queijadas e broas em Sintra), que também veio de Paris. Por essa altura, durante a quadra natalícia, a Confeitaria Nacional oferecia aos Lisboetas «uma exposição de doces, de grandes construções de açúcar e amêndoa, de bolos de ovo de entre os quais se destacava uma afinidade de estonteantes e bojudas lampreias, de prodigiosas fantasias enconfeitadas e de tudo quanto de mais delicado e original a arte dos doces podia então produzir». A pouco e pouco, a receita do bolo-rei generalizou-se. Outras confeitarias de Lisboa passaram a fabricá-lo, o que deu origem a versões diversas, que de comum tinham apenas a fava. No Porto, foi posto à venda pela primeira vez em 1890 (sempre atrasados... mas que gentinha...), por iniciativa da Confeitaria de Cascais, na Rua de Santo António/Rua 31 de Janeiro. Diz-se que este bolo-rei foi feito segundo receita que o proprietário daquela confeitaria, Francisco Júlio Cascais, trouxera de Paris. Inicialmente, só era fabricado na véspera do Dia de Reis, mas a partir de 1920, a Confeitaria de Cascais passou a ter bolo-rei quase todos os dias. Na altura, já muitas confeitarias de Lisboa o vendiam. A propósito, José Leite de Vasconcelos recorda este anúncio publicado no Diário de Notícias, em 10 de Janeiro de 1910: «Bolo Rei - Vem de longa data a justa fama do delicioso Bolo Rei da Confeitaria Primorosa, da R. de S. Paulo, 130 e 132, na verdade é um dos melhores que se fabricam em Lisboa.Por isso têm sido numerosas as fornadas, que se prolongam ainda por toda esta semana, visto ter uma extracção rápida essa tão fina especialidade.»
Temos assim que o bolo-rei atravessou com êxito os reinados da Rainha D. Maria II e dos reis D. Pedro, D.Luís, D.Carlos e D. Manuel II. Com a República, houve alguns problemas que depressa foram ultrapassados. Vieram depois sem novidade o Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano e a Revolução de 25 de Abril de 1974.
Em boa verdade, os piores tempos para o bolo-rei foram os que se seguiram à proclamação da República, em 5 de Outubro de 1910. Meses depois, em 7 de Janeiro de 1911, o Diário de Notícias não fazia as coisas por menos: «O bolo-rei tende a decair ou desaparecer-Terá de ser substituído?» Poderá parecer estranho, mas a proclamação da República pôs em risco e existência do bolo-rei, na altura já considerado tradicional. Tudo por causa da palavra rei, «símbolo do poder supremo», dizia o Diário de Notícias, que numa lógica que hoje nos faz sorrir, acrescentava na sua notícia-comentário: «Ora, morto este símbolo, o bolo tinha de desaparecer ou tomar o expediente de se mascarar para evitar a guerra que lhe podia ser feita.» Em face disto, que fizeram os industriais de confeitaria? Partindo do princípio de que o negócio é negócio e política é política, seguiram naturalmente a segunda via, ou seja, continuaram a fabricar o bolo-rei, mas sob outra designação. Os menos imaginativos passaram a anunciar um bolo que dava pelo nome de ex-bolo-rei, mas a maioria preferiu chamar-lhe bolo de Natal e bolo de Ano Novo. A designação de bolo nacional era talvez a melhor, uma vez que remetia para a confeitaria que introduziu o bolo-rei em Portugal e também para uma certa ideia relacionada com Portugal, o que fica sempre bem em períodos revolucionários. Não contentes com nenhuma destas soluções os republicanos mais radicais chamaram-lhe bolo Presidente e até houve quem anunciasse... BOLO ARRIAGA! Não se sabe como reagiu o primeiro presidente da República, Manuel de Arriaga, mas convenhamos que a homenagem dos confeiteiros não foi a melhor...
Já disse que a receita do bolo-rei veio de Paris. Isto parece hoje fora de dúvida, apesar das reticências de José Leite de Vasconcelos: O bolo-rei ou bolo das favas é de provável origem francesa.» Acrescenta-se agora que o bolo-rei popularizado em Portugal no século passado não tem nada a ver com a «galette de rois» que era o bolo simbólico da Festa dos Reis na maior parte das províncias francesas a norte do rio Loire, nomeadamente na região de Paris, onde o bolo é uma rodela de massa folhada, recheada ou não de creme. O «nosso» bolo-rei segue a receita utilizada a sul do Loire, um bolo em forma de coroa, feito de massa levedada (Totalmente diferente...). Acrescenta-se, de qualquer modo, que ambos os bolos continham uma fava simbólica, que nem sempre era uma verdadeira fava, podendo ser um pequeno objecto de porcelana. Referindo-se ao bolo-rei, leite de Vasconcelos acrescenta que ele tinha dentro uma moeda ou uma fava. A moeda relacionava-se com o culto dos mortos. Quanto à fava, já no século XVI, na Alsácia, se punha a hipótese de ela aludir ao banquete dos mortos, do mesmo modo que a moeda «dava» ao morto a possibilidade de comprar o direito de regressar. Que se saiba nunca nenhum fez uso dessa possibilidade... Feitas as contas e dando um salto no tempo, temos que até há bem pouco tempo o bolo-rei incluá um brinde e uma fava. O brinde é um pequeno objecto metálico sem outro valor que não seja o de símbolo, e mesmo assim pouco evidente para a maioria das pessoas. A fava representa uma espécie de azar: quem ficar com ela tem que comprar o próximo bolo-rei.

O Origem da Origem...

Os romanos costumavam votar com favas, prática introduzida nos banquetes das Saturnais, durante as quais se procedia à eleição do Rei da Festa, também chamado Rei da Fava. Diz-se que este costume teve origem num inocente jogo de crianças, muito frequente durante aquelas festas e que consistia em escolher o rei, tirando-o à sorte com favas. O jogo acabou por ser adaptado pelos adultos, que passaram a utilizar as favas para votar nas assembleias. Como aquele jogo infantil era característico do mês de Dezembro, a Igreja Católica passou a relacioná-lo com a Natividade e, depois, com a Epifania, ou seja, com os dias 25 de Dezembro e 6 de Janeiro. A influência da Igreja na Idade Média determinou a criação do Dia de Reis, simbolizado por uma fava introduzida num bolo, cuja receita se desconhece. De qualquer modo, a festa de Reis começou muito cedo a ser celebrada na corte dos reis de França. O bolo-rei teria surgido no tempo de Luís XIV para as festas do Ano Novo e do dia de Reis. Referem-se-lhe vários escritores, e Greuze celebrou-o num quadro, exactamente com o nome de Gâteau des Rois. Com a Revolução Francesa (1789), este bolo foi proibido. Só que os confeiteiros tinham ali um bom negócio, e em vez de o eliminarem, passaram a chamar-lhe Gâteau des sans-cullottes. Com excepção desse mau período, a história do bolo-rei é uma história de sucesso, e hoje como ontem as confeitarias e pastelarias não se poupam a esforços na sua promoção.

E meus caros amigos e leitores, aqui fica a História do Bolo Rei, em Portugal e arredores.
Espero que não se aburreçam com a longa prosa, mas parece-me de facto um bom elemento cultural que já fazia falta neste Fórum, Tertúlia, BLOG...

A todos um grande abraço e votos de feliz dia do Reis deste que Vos preza muito,
O V. Ursinho de Pelucia,
Marco do Baixo Tejo

Comments:
Ó meu Marcão do Sever do Vouga... mas que bela peça a tua aqui no nosso blog... sim senhor... não conheço nimguém capaz de dedicar tantas palavras o bolo rei como tu... igual só o Obélix em relação aos javalis assados!!!
De resto fiquei muito contente por saber tamanha história de tamanho bolo!!
Grande abraço e com muito gosto por teres enriquecido este blog tal como eu o fizera sobre o Natal e o nosso mui nobre califiano Allen o fizera com o dia de Reis,

deste que tanto vos quer,

Tex
 
O que é que se passa com o nosso professor primário? Não obstante do reparo dele ser de fácil compreensão e pertinente ele consegue atrapalhar-se na explicação, além de nos tratar como de seus alunos nos tratássemos. Muito mal vai o nosso ensino.

Um abraço com o diâmetro da rolha que o rato roeu da garrafa do rei da Rússia (este não era do grupo dos magos).
Patrício Portugal
 
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