sexta-feira, dezembro 17, 2004

Só dá mangueira na cabeça!!! (Brasil Vol.3)


A noite estava soalheira e o céu abraçava-nos como fossemos três estrelas suas enquanto atravessávamos a rua em passo acelerado (guardava-mos ainda na cabeça o alerta de um segurança que dizia: -Cautela não se esqueçam que estão no Rio de Janeiro) vindos de um típico boteco onde a gordura das paredes condizia com a do meu EggCheaseBurguer (que por acaso até estava bom), a caminho do bondinho (teleférico) que nos levaria ao morro da urca (ponto intermédio entre o chão e o pão de açúcar – sugar loaf em inglês), para um apreciável show de música rock ministrado pelos Paralamas do Sucesso.
A viagem de teleférico até foi engraçada visto que é de noite logo não temos a noção de perigo provocado pela vertigem da altura, e olvidando os comentários anteriores sobre a qualidade italiana do veículo, os seus 50 anos de idade e a menção reforçada de que até à data nunca tinha caído (até à data), o que me tranquilizava os níveis Lindor para 1/7. Passo a explicar, lindor para quem não sabe são fraldas para adultos, e eu medroso como sou esta pequena emoção deveria dar para me “assustar / borrar” um pouco, logo 1/7 na minha escala lindor.
O concerto estava animado, o nosso Joãozinho Trinta vibrava ao ritmo dos acordes da poderosa guitarra do cantor paraplégico, que não se deixando influenciar pela sua limitação brindava-nos com um grande show, enquanto em simultâneo o nosso Zé Carioca aplicava a sua táctica do estrábico, um olho no palco e outro nas garotas, aparentemente uma petiz prendera-lhe o olhar, os seus movimentos são inconfundíveis (como uma dança animal de acasalamento se tratasse), peito para a frente cabeça para o lado a oscilar em movimentos verticais com os lábios a descrever um bico por onde a moça se poderia perder, ah! Não nos podemos esquecer daquela mãozinha direita a subir em movimentos compassados (quem já viu sabe do que estou a falar).
Nisto sou abalroado por Joãozinho Trinta inebriado por um espírito grunge / mosh que a música de encerramento lhe provocava, depois de duas pisadelas 3 encontrões e de me ter desviado de uma biqueirada, acabo por alinhar no espírito conferindo mais mística ao momento de libertação musical, Obrigado Paralamas, Obrigado J30.
O último holofote é desligado e já nós tínhamos transitado para o espaço chillout enquanto eu e J30 apreciávamos o som maneiro já o nosso Zé Carioca tinha caçado um coração brasileiro (aquele do concerto que vos falei à pouco – a dança resulta!) mas não ao estilo de um bom malandro como é de facto a personagem Zé Carioca mas sim com a sedução de Giacomo Girolamo Casanova, proferindo umas palavras mágicas que ele confessou ter aprimorado durante anos as quais eu desconheço até este preciso momento (mas tentei aprende-las, ele não mas quis ensinar). A música terminou sem que eu visse qualquer demonstração de afecto mais intimista, mas de facto perdi-os de vista por momento e de seguido vejo-o a regressar só (não sei o que se passou nesses instantes - verdade).
De saída fomos abençoados por São Pedro em jeito de São João Baptista que nos baptizava a presença em terras tucanas com águas cálidas, que tocavam as nossas cabeças como se de uma massagem divina se tratasse. Nessa noite o nosso sono foi o mais tranquilo possível, estávamos encantados com a cidade MARAVILHOSA!
A Noite seguinte corta pela primeira vez o cordão umbilical que nos unia desde a nossa chegada a terras do Cristo Redentor, J30 não queria alinhar num programa de Gringos, foi à sua vida e nós seguimos devidamente acautelados para o ensaio da escola de samba Estação Primeira da Mangueira, à chegada a minha escala lindor ia a 1/3, o ambiente era pesado embora no meio de 24 Zé pequenos e 17 manés galinhas também havia uns quantos micos e patricinhas. De facto como era prometido as mulatas eram bem sinistras, bem, vejamos, talvez um misto entre Cesária Évora (calçada) com Bana (descalço), bom….. uma ressalva para a rainha da bateria essa sim era uma mulata de seus predicados (como podemos ver na foto), mulata essa que me agraciou com um frente a frente, embora sem palavras ao cruzar-se comigo num dos corredores laterais.
Para quem não sabe esta escola fica no morro da mangueira uma das muitas favelas do Rio de Janeiro (que ao todo tem cerca de um milhão de favelados duzentos mil dos quais estão na rocinha a favela mais conhecida).
Após a apresentação do enredo e da rainha feita pelo presidente da escola (presidente o qual tem os seus restos mortais em análise de DNA para confirmação de identidade depois de ter sido violentamente assassinado na semana passada), a bateria do samba começa a aquecer e o som apodera-se do nosso corpo, é indescritível de samba no pé e bem mais relaxado observo um grupo de betinhas loiras bem torneadas a sambar quase ao meu lado, um repórter da SBT atento resolve entrevistá-las os ânimos incendiaram elas sambavam como se não houvesse amanhã e berravam em plenos pulmões SÓ DÁ MANGUEIRA NA CABEÇA, o povinho à volta não se conteve com tamanha empolgação e desata tudo à pancadaria, mais uma vez sou abalroado voam mesas e cadeiras abre-se uma clareira, as pessoas berram os seguranças actuam e neste momento a minha escala lindor rebenta e transborda o suficiente para duas lindores inteiras, verdade seja dita aproveitei a primeira oportunidade e fui-me embora (cagão!), arrastando comigo Zé Carioca que alheio a tudo ainda tinha no seu campo de visão aqueles pés loiros a sambar num doce balanço de encantar.
Chegados a casa de mais esta aventura constatamos que J30 não estava, a intriga não durou muito pois uns minutos volvidos J30 entra marafado vociferado que tinha sido assaltado (mais uns pingos para a minha lindor), acrescentou que tinha sido assaltado mas sem pistola (uff! Que susto), alegadamente foi a um bar da “moda” onde lhe foi cobrado um consumo mínimo de 50 Reais sem direito a nada, mais o Táxi ida e volta (fora saqueado), pior que isso foi a conversa do Taxista acenando-lhe com o paraíso da noite, mas sem o levar lá, um local onde as divorciadas e 30tonas se reúnem para convívio, local este que lhe toldou a cabeça durante o resto das férias, local onde não fomos, local único que o fará eventualmente regressar ao Rio de Janeiro, O BAR do XICO!!! O mito foi criado. Será um oásis?; existirá?; seria lá que J30 encontraria a sua cara metade? Acho que nunca saberemos……………
Mais uma noite chega ao fim. Enfim descansámos, e a viagem atinge os 33%.

Aquele abraço,
Marcelo de Janeiro


Comments:
Tenho adorado ler as crónicas do Rio. Parabéns! Gostei especialmente da escala lindor e "daquela mãozinha direita a subir em movimentos compassados". Fico à espera de mais.

Bjs,
Maria Inês Cunha
 
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